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DA LICENÇA MATERNIDADE AO HOME OFFICE

 



Estamos vendo um número crescente de famílias que estão tendo seus bebês durante a Pandemia da COVID-19. Após o período da licença maternidade, muitas mulheres voltam para seus respectivos trabalhos, em geral, cumprindo o regime de Home Office.

Em um primeiro momento, parece ser algo mais fácil, afinal, poderá ficar em casa com o bebê enquanto trabalha. No entanto, a história não é bem assim, ao contrário, é um grande desafio. Ainda quando a licença maternidade termina, a mãe e o bebê continuam em um estado que chamamos de fusão emocional. É como se ambos fossem um mesmo corpo e o bebê depende desse contato para o seu desenvolvimento, portanto, mesmo não sendo mais um recém-nascido, a demanda continua lá. Então, como conciliar o trabalho que precisa de disponibilidade e concentração com os cuidados do bebê que necessita de atenção constante, em muitos casos, ainda podemos acrescentar os cuidados com a casa.

Podemos perceber um avanço no sentido de que muitos pais estão vendo a criação de um filho e as atividades domésticas como tarefa compartilhada. Contudo, na maioria dos casos, casa e filhos ainda são associados como responsabilidade primária das mulheres. O reflexo disso são mães adoecidas emocionalmente, sobrecarregadas e o pior de tudo, em uma Pandemia, na qual houve redução significativa da rede de apoio. Mulheres não são multitarefas, são seres humanos com limites. O não reconhecimento disto está levando-as ao colapso.

Quando romantizamos o Home Office, levamos à criação de expectativas em relação ao bebê que não são reais. O resultado: frustrações constantes. Em algum momento essa mãe vai perceber que, independente do que falam, o seu bebê não vai ficar brincando sozinho enquanto faz aquela ligação importante, não vai dormir na hora que precisa trabalhar para entregar a demanda do dia, não vai mamar rapidinho para voltar ao seu trabalho. Mais provável que o bebê queira prender a atenção da mãe e comece balbuciar, gritar e chorar a impedindo de dar completa atenção ao trabalho. É mais provável o bebê perceber que a hora do mamar é quando tem a atenção da sua mãe e começar a estender as mamadas que antes eram rapidinhas. As sonecas antes bem certinhas começam a ficar bagunçadas, afetando até mesmo a noite de sono. A nova dinâmica de voltar ao trabalho, mesmo em home office, significa também que a atenção da mamãe que antes era exclusiva vai estar dividida.

Refletir sobre isso e tomar consciência dessa realidade permite às mães se planejar direitinho para evitar o estresse na sua volta ao trabalho. Algumas sugestões para lidar melhor com essa fase são:

1. Procurar saber quais serão as condições de sua volta ao trabalho na situação atual. Algumas empresas estão antecipando as férias das funcionárias. Outras estão reduzindo a carga horaria ou remanejando funções. Pelo menos 3 semanas antes de sua volta efetiva se atualize bem sobre como está sendo esse processo. É tudo novo, não só para as famílias, mas para as empresas também.

2. Acionar a rede de apoio disponível para apoiar com os cuidados com o bebê.

3. Preparar um ambiente em casa que funcione como o próprio escritório, que permita o afastamento durante o tempo de trabalho. Mesmo em home office, vai ser necessário se afastar para trabalhar. Com isso, será possível tornar mais eficiente o tempo de trabalho e evitar múltiplas despedidas dentro de um mesmo período. É importante considerar que cada despedida é um novo pico de estresse, o bebê não entende que sua mãe está presente e não está disponível. Ele vai procurar atenção constantemente enquanto ver a mãe por perto, dificultando a aproximação de qualquer outra pessoa para cuidar dela. 

4. Organizar a rotina do bebê, avaliando o sono e a efetividade de mamadas. Observar seus pequenos rituais: hora de acordar, hora de mamar, hora de dormir, hora de brincar. Mais que horários, é importante estabelecer sequencias repetitivas de atividades dentro dos intervalos que se encontra acordado. A repetição e previsibilidade da rotina ajuda a criança a se sentir segura e facilitará a adaptação aos cuidados de terceiros. Sabendo a rotina da criança, quem ficar com ela saberá exatamente o que precisa ofertar/fazer com ela para satisfazer suas necessidades oportunamente.

5. Lembrar que a atenção da criança não será focada por mais de 10-15 minutos nessa fase, ela pedirá com barulhos, resmungos ou choro, a troca de atividade, de objetos, de ambiente, ou de interação. Criança se desenvolvem socialmente, elas querem interação, procuram o contato humano constantemente. Mais que brinquedos, prepare os ambientes da casa para que ela possa estar junto dos cuidadores enquanto eles realizam suas tarefas domésticas. É legal evitar a poluição do ambiente, apresentado grupos de 2-3 brinquedos de cada vez, fazendo troca destes itens disponíveis  ao longo do dia.

6. O aleitamento deve ser uma experiência prazerosa para  criança, estar no colo, conversando, tendo o seu ritmo respeitado, sem pressa. Se for preciso fazendo pequenas pausas, oferecendo o leite de forma mais passiva, para garantir que tome o suficiente, até  ficar satisfeita. Os métodos alternativos de aleitamento devem ser testados pela pessoa que irá cuidar, lembrando de fazer pausas ao oferecer o leite, para garantir que a quantidade seja adequada.

Às mães, não se culpe, seja qual for o seu contexto. A pessoa que mais conhece o seu bebê é você mesma, as dicas dadas são orientações para começar, mas cada mulher vai se adaptando da melhor maneira perante suas condições. O mais importante é lembrar-se: você não precisa dar conta de tudo; você se tornou mãe, mas continua sendo mulher; para cuidar do seu bebê, você precisa se cuidar e estar bem.

Não tenha medo de procurar ajuda quando as coisas saírem do eixo, a psicoterapia pode contribuir para trazer uma maior leveza a todo o processo.

Por Débora Andrade (Psicóloga Especialista em Psicologia Perinatal e Parentalidade)

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