"Durante algum tempo, eu não soube se era a mãe ou a filha que se chama Nina, Ninù, Ninè, os nomes eram muitos e foi difícil, em meio à densa trama de chamados, chegar a uma conclusão. Depois, de tanto ouvir vozes e gritos, entendi que Nina era a mãe. Com a menina foi mais complicado, e no início me confundi. Achei que ela tivesse um apelido tipo Nani ou Nena ou Nennella, mas depois compreendi que aqueles eram os nomes da boneca, da qual a menina nunca se separava e à qual Nina dava atenção como se estivesse viva, quase uma segunda filha. A menina na verdade se chamava Elena, Lenù; a mãe sempre a chamava de Elena, e, os parentes, de Lenù.Não sei por quê, mas anotei aqueles nomes no meu caderno, Elena, Nani, Nena, Leni - talvez eu gostasse da forma como Nina os pronunciava. Ela se dirigia à menina e à boneca em uma cadência dialetal agradável, aquele napolitano que eu adoro, afetuoso nas brincadeiras e nos momentos de alegria. As línguas, para mim, têm um veneno secreto que de vez em quando aflora e para o qual não há antídoto. Lembro-me do dialeto na boca de minha mãe quando perdia a cadência meiga e gritava conosco, intoxicada pela infelicidade: não aguento mais vocês, não aguento mais. Ordens, gritos, insultos, um prolongamento da vida nas suas palavras, como um nervo lesionado que, assim que é tocado, arranca junto com a dor qualquer compostura. Em uma, duas, três ocasiões ameaçou a nós, suas filhas, dizendo que iria embora, vocês vão acordar de manhã e não vão mais me encontrar. Eu acordava todos os dias tremendo de medo. Na verdade, ela sempre estava lá; nas palavras, vivia sumindo de casa. Aquela mulher, Nina, parecia serena, e eu senti inveja" (Capítulo 4, páginas 20/21).
"Senti necessidade de ligar para minhas filhas, contar o incidente. Marta atendeu e começou a falar, como sempre fazia, rápido e com a voz estridente. Tive a impressão de que ela temia, mais do que de costume, que eu a interrompesse com alguma pergunta insidiosa, uma repreensão, ou simplesmente que eu transformasse seu tom exagerado-alegre-irônico em um sério, que lhe imporia perguntas e respostas verdadeiras. Falou por muito tempo de uma festa à qual ela e a irmã tinham que ir, não sei bem quando, se naquela mesma noite ou no dia seguinte. O pai fazia questão, amigos dele estariam presentes, não apenas colegas da universidade, mas pessoas que trabalhavam na televisão, pessoas importantes que ele queria impressionar, mostrar que, embora ainda não tivesse cinquenta anos, tinha duas filhas já crescidas, educadas e bonitas. Ela falava sem parar e, em um dado momento, começou a reclamar do clima. O Canadá, exclamou, é um país inabitável, tanto no inverno quanto no verão. Marta não perguntou como eu estava, ou talvez tenha perguntado, mas não deu tempo de responder. Também era provável que não tivesse citado o pai, eu é que o ouvi entre uma palavra e outra. Nas conversas com minhas filhas, ouço palavras ou expressões omitidas. Às vezes, elas ficam com raiva e dizem mamãe, eu nunca falei isso, é você que está dizendo, você inventou isso. Mas eu não invento nada, só escuto, o não dito fala mais do que o dito. Naquela noite, enquanto Marta divagava com sua rajada de palavras, imaginei por um instante que ela não tivesse nascido, que nunca tivesse saído da minha barriga, que estivesse no ventre de outra - de Rosária, por exemplo -, e que nasceria com uma aparência diferente, uma receptividade diferente. Talvez fosse o que ela sempre desejara em segredo: não ser minha filha. Ela estava falando de maneira neurótica sobre si mesma, a um continente de distância. Falava dos cabelos, que precisava lavá-los o tempo todo porque nunca ficavam bem, do cabeleireiro que os havia estragado, e que, por isso, não iria à festa, jamais sairia de casa daquele jeito, só Bianca iria, com os cabelos lindos dela, e falava como se a culpa fosse minha, eu não a fizera de uma maneira que pudesse ser feliz. Queixas antigas. Ele me parecia frívola, sim, frívola e chata, situada em um espaço distante demais daquele outro, à beira-mar, à noite, e então a perdi. (...) Quando encerrei a ligação, estava arrependida de ter telefonado, sentia-me mais agitada do que antes, meu coração batia forte" (Capítulo 8, páginas 38/39).
Gianni, quando voltei, me repreendeu por ter ligado apenas duas vezes em quatro dias, quando Marta estava doente. Eu respondi: estive muito ocupada. Disse também que, depois do que havia acontecido, precisaria trabalhar muito para estar à altura da situação. Comecei a passar, em sinal de provocação, dez horas por dia na universidade. Desde a nossa volta a Florença, meu professor, com repentina disponibilidade, fez o possível para que eu logo publicasse um novo trabalho, e colaborou ativamente com Hardy para que eu fosse trabalhar por algum tempo na universidade dele. Entrei em uma fase de frenética e dolorosa atividade. Eu trabalhava muito e, ao mesmo tempo, sofria, pois achava que não podia viver sem Hardy. Escrevia longas cartas para ele, telefonava. Se Gianni, especialmente no fim de semana, estava em casa, eu corria para um telefone público, arrastando Bianca e Marta comigo para não levantar suspeitas. Bianca escutava os telefonemas e, embora fossem em inglês, captava tudo sem entender; eu tinha conhecimento disso, mas não sabia o que fazer. As meninas ficavam ali ao meu lado, mudas e confusas, eu nunca esqueci, nunca esquecerei. Todavia, eu irradiava prazer contra a minha própria vontade, sussurrava frases carinhosas, respondia a alusões obscenas e fazia alusões obscenas. Só ficava atenta - quando puxavam minha saia, quando diziam que estavam com fome ou queriam um sorvete ou um balão do vendedor que estava a um passo dali - para não gritar chega, vou embora, vocês não vão mais me ver, exatamente como minha mãe fazia quando estava desesperada. Ela nunca nos deixou, mesmo gritando para nós que o faria; já eu deixei minhas filhas quase sem aviso (Capítulo 19, páginas 120/121).
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