A partir das descobertas sobre os aspectos sensoriais do feto e das inúmeras capacidades perceptivas e comunicativas do recém-nascido, inclusive os prematuros, o recém-nascido deixou de ser visto “como um pacote de necessidades e reações que espera passivamente os estímulos externos” ou “como se fosse um montículo de barro pronto a ser moldado pelo seu ambiente”, passando a ser considerado como um indivíduo bem organizado quando do nascimento, pronto para enviar sinais ao seu ambiente e, à medida que recebe respostas de quem o cuida, ele obteria um controle sobre suas reações, podendo, assim, participar dos eventos do seu ambiente e, com isso, aprender sobre si mesmo.
“Pra que esses braços tão grandes?...”
A pele é nosso maior órgão sensorial. O sentido do tato é acionado desde a vida fetal, quando os bebês são acariciados pelos tecidos e líquidos mornos que os cercam no útero materno. Os recém-nascidos respondem aos aspectos do tato, como temperatura, textura, umidade, pressão e dor. Entende-se que os recém-nascidos gostem de chupar os dedos, porque os lábios e as mãos têm o maior número de receptores do tato, inclusive, seus tecidos têm a mesma origem embrionária, o que nos leva a pensar a mão na boca como um reencontro nostálgico Em útero, eles chupam o polegar mesmo antes da 24ª semana. Assim, a estimulação ao redor da boca estimula a procura do seio e a sucção, como também a movimentação do sistema gástrico superior. O advento da ultrassonografia revelou o quanto os fetos buscam contato no útero, procuram apoio para os pés na placenta e, em casos de gêmeos univitelinos, demonstram movimento ativo em direção ao contato com o outro. Por muito tempo, supunha-se que o recém- -nascido não sentia dor por se acreditar que seu cérebro era muito imaturo para registrar essa sensação. Atualmente, já se sabe que os recém-nascidos têm componentes anatômicos e funcionais necessários para a percepção da dor. Field (1990) demonstrou a utilidade de intervenções simples na redução da tensão e do sofrimento, tais como oferecer chupeta ou peito para o bebê sugar e acariciá-lo durante procedimentos dolorosos. Isso aponta para a necessidade imperiosa da revisão de práticas assistenciais na sala de parto e na UTI-Neonatal.
“Pra que esses olhos tão grandes?...”
A primeira pesquisa que confirmou a capacidade dos bebês recém-nascidos de ver foi conduzida, em 1960, pelo psicólogo, Dr. Robert Fantz, que demonstrou que o bebê apresenta preferências mesmo entre padrões abstratos e é especialmente atraído por contornos pontudos, bem como pelo contraste claro-escuro. Ele demonstrou também que os bebês podem reconhecer cores, porém essa capacidade é bastante limitada nessa época da vida. Pelos bebês nascerem míopes, não podendo inicialmente acomodar a visão a distâncias, sua visão como recém-nascidos é melhor a uma distância de 20 a 25 cm da face. Não nos surpreende que esta seja a distância na qual o bebê vê a face da mãe durante a amamentação. Também os prematuros enxergam; sua visão é menos constante, pois eles são ainda mais míopes, mas são capazes de fixar a atenção e acompanhar o movimento de objetos. A distinção entre plano e volume existe desde 6 a 7 semanas de vida e, entre o convexo e o côncavo, em torno de 10 semanas. Eles podem reconhecer a profundidade e responder com uma reação defensiva a objetos que se aproximam. Além de ver, os recém-nascidos também são capazes de processar informação visual, lembrando-se do que viram, e usar essa informação. Se uma figura for mostrada por muito tempo, os bebês tendem a diminuir seu tempo de observação; entretanto, se uma figura diferente lhes é mostrada, eles demonstram renovado interesse.
Esta “resposta à novidade” pode, segundo Klaus e Kennel (1993), indicar uma capacidade precoce de memorização, o que demonstra que seu talento visual baseia-se não apenas no movimento ocular de reflexo, mas também em uma função cerebral superior. Brazelton e Cramer (1992) consideram o contato visual e auditivo imediato ao nascimento como fundamental para o processo de “ligação” e observam, ainda, que os pais invariavelmente, a não ser em casos de depressão severa, anseiam pela interação visual com o bebê após o parto. As seleções visuais dos recém-nascidos indicam uma preferência adaptativa para faces humanas, pois eles têm uma capacidade inata de reconhecer padrões e de selecionar certas formas para exames mais prolongados – eles teriam preferência por figuras (círculos e faixas) decoradas sobre superfícies lisas; preferem padrões complexos, com mais elementos, a padrões mais simples e menos detalhados; preferem padrões curvos a retos; preferem contemplar um objeto ovoide do tamanho de um rosto humano, especialmente nos casos em que esse objeto é dotado de olhos e boca: concentram-se nos olhos brilhantes, na boca vermelha e nos contornos do rosto da imagem, sendo atraídos ainda mais se a face for tridimensional.
“Pra que esses ouvidos tão grandes?...”
A capacidade dos bebês de ouvir é bem desenvolvida meses antes do nascimento. As observações intraútero e de prematuros revelam que eles, assim como os recém-nascidos a termo, podem distinguir entre tipos de sons, intensidade e altura, vozes diferentes, sons familiares e estranhos e, ainda, determinar a direção de onde o som está vindo. O recém-nascido consegue reconhecer os ruídos característicos do interior do corpo da mãe: 86% dos recém-nascidos param de chorar em poucos segundos, ao escutar uma gravação de ruídos intrauterinos e 30% dos bebês adormecem logo em seguida.
Muitos estudos demonstram que recém- -nascidos reagem à voz da mãe de uma maneira peculiar, mesmo na ausência de outras fontes de informação além da auditiva. Recém-nascidos preferem vozes agudas, e as mães e os pais usam vozes agudas quando falam com seus bebês pela primeira vez após o parto. DeCasper (1990) demonstrou em laboratório que os bebês preferem a voz de suas mães à voz de outras mulheres, e que, imediatamente após o nascimento, não têm preferência pela voz paterna àquela de outro homem. O que se supõe, com relação ao período da gravidez, à vida intrauterina, é que podem existir outras qualidades presentes na linguagem falada, como, por exemplo, a entonação, o timbre, o ritmo melódico e o conteúdo afetivo emocional, que dariam ao bebê a possibilidade de elaborar um código de informações que lhe são familiares e que ele vai desenvolvendo desde o interior do útero ao ouvir a voz da mãe nas diversas manifestações e relacionando com as reações orgânicas desta. O recém-nascido, familiarizado no útero com esses elementos rítmicos, estaria apto, ao nascer, a discriminar e aprender sons não linguísticos e sons linguísticos. Sansavini (1997) refere-se à hipótese rítmica, segundo a qual, recém-nascidos teriam uma predisposição para prestar atenção ao ritmo da fala, o qual emerge da regular e repetida presença de elementos prosódicos, tais como alterações de diferentes entonações e pausas e alterações no acento final das sílabas e vogais.
“Pra que esse nariz tão grande?...”
O olfato, palavra da tua pele (Pablo Neruda) Nos recém-nascidos, o olfato é extremamente sensível. Eles são capazes desde o nascimento de distinguir os odores atrativos ou repelentes e esta distinção os ajuda a adaptar-se ao seu novo ambiente. O conhecido estudo de MacFarlane (1975) revela que os recém-nascidos de uma semana de idade já são capazes de distinguir o cheiro do protetor de seios da sua mãe do de outras mães lactantes, porém não apresentam tal capacidade aos dois dias de idade. Os bebês respondem ao cheiro especial da própria mãe, não necessariamente ao cheiro do leite, e, à medida que aumenta a idade do bebê, tal preferência pelo odor materno torna-se mais pronunciada.
“E essa boca tão grande? ”
Também o paladar é altamente desenvolvido no bebê ao nascer. Alguns estudos sobre o que o recém-nascido prefere sugar demonstram que ele é capaz de fazer discriminações precisas e de responder a pequenas alterações químicas nos alimentos colocados em sua língua. Eles demonstram prazer com o aumento da doçura e desprazer com líquidos salgados, ácidos ou amargos.
- por Andrea Diniz Gonçalves
Fonte: Revista Sua majestade, o bebê: o desenvolvimento global no primeiro ano de vida. Um guia para pais, cuidadores e profissionais da primeira infância. Organizado por Daniele de Brito Wanderley.
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